terça-feira, 10 de agosto de 2010

Livro de Cabeceira XI

"... Vejam só... é assim que as coisas muitas vezes acontecem. O melhor desaparece, porque a roda do tempo se lhe opõe. E esta faz rolar tudo por aí abaixo. É o caso dos nossos clássicos, que, sem dó nem piedade, deitaram abaixo tudo o que se lhes opunha. Inconscientemente. Acho que não. Os nossos clássicos eram pessoas honestas. Schubert era incapaz de fazer mal a uma mosca e Mozart era às vezes um bocado agreste, mas, por outro lado, uma pessoa de rara sensibilidade e incapaz de qualquer violência. Beethoven quebrou, por exemplo, diversos pianos. Mas nunca um contrabaixo, justiça lhe seja feita. Aliás, ele nunca tocou nenhum contrabaixo."

"O Contrabaixo", Patrick Süskind

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Livro de Cabeceira X

"Atirou a colher para o lado e tentou correr como podia com o invencível peso da sua idade, aos gritos como uma louca sem saber ainda o que é que se passava sob os ramos da mangueira, e o coração partiu-se-lhe ao ver o seu homem estendido ao comprido na lama, já morto em vida, mas resistindo ainda um último minuto ao golpe final da morte para dar-lhe tempo a chegar. Chegou a reconhecê-a no meio da confusão, através das lágrimas da dor única de morrer sem ela, olhou-a pela última vez para todo o sempre, com os olhos mais luminosos, mais tristes e mais agradecidos que ela jamais lhe vira em meio século de vida em comum, conseguindo dizer-lhe com o último suspiro:
-Só Deus sabe quanto te amei."

"O Amor em Tempos de Cólera", Gabriel Garcia Márquez